TEXTO: Lc 16: 19-31.
Devido o
comportamento dos fariseus (Lc 16.14s) motivou a Jesus que contasse a parábola
do Rico e Lázaro. Jesus prega aqui a grande verdade de que omitir-se em relação
à ordem de “com ajuda da riqueza fazer amigos” pode vir a causar a desgraça
eterna. Creio que esta parábola (Lc 16.19-31) é uma contrapartida para a parábola
do administrador injusto, com a qual está ligada. Quem faz amigos com as
riquezas da injustiça receberá o prêmio nas moradas eternas (Lc 16.1-9). Quem
por orgulho e egoísmo utiliza seus bens terrenos apenas para fins egoístas e
interesseiros, é remetido ao tormento eterno.
Esta parábola está construída com
tal mestria que não tem uma só frase a mais. Ela trata das questões sociais e
econômicas e as suas influencias na esfera espiritual. A parábola mostra duas
situações adversas. Consideremos, pois, os dois personagens desta parábola.
Primeiro, o homem
rico (não faz referencia a nenhum nome). Cada frase adiciona algo para
descrever o luxo em que vivia. Vestia-se de púrpura e linho fino. Esta é a
descrição das túnicas dos sumos sacerdotes, que podiam custar uma soma
equivalente a vários anos de trabalho de um operário, cujo valor corrente era,
em torno de uma dracma por dia trabalhado. Todo o dia dava festas. Fazendo isso
quebrantava definida e positivamente o quarto mandamento, que não só proíbe
trabalhar nos sábados, mas também diz seis dias trabalharás (Êxodo 20:9). Em um
país onde a pessoa pobre se contava feliz se podia comer carne uma vez por
semana e onde trabalhava duramente seis dias por semana, o rico é a figura da
indolência e da insensibilidade. Lázaro aguardava que caíssem as migalhas da
mesa do rico. Na época de Jesus não havia nem faca nem garfos nem guardanapos.
Comia-se com as mãos, e em toda casa rica, as mãos se limpavam em pedaços
grossos de pão, que logo se jogavam. Lázaro estava esperando esse pão. O rico é
a imagem do esbanjamento. Usufruía de
uma vida confortável, status social, cuja existência limitava-se a este tempo
terreno. Sua situação era muito boa, então não havia uma preocupação ao futuro,
sua vida terrena era suficientemente tranquila, então não havia a preocupação
com o pós-morte.
A
parábola não diz que ele não dava esmolas para Lázaro. Não tinha ordenado que
Lázaro fosse posto para fora. Não tinha dito que Lázaro tomasse o pão que se
atirava de sua mesa. Não lhe tinha dado de chutes ao passar. Não tinha sido
deliberadamente cruel com ele. O pecado do rico tinha sido não prestar atenção
a Lázaro, tê-lo aceito parte do panorama, ter pensado que era perfeitamente
natural e inevitável que Lázaro estivesse sofrendo na dor e na fome enquanto
ele nadava na opulência. Como alguém disse: "Não foi o que o rico fez o
que o condenou, mas sim o que não fez o levou ao inferno".
Em segundo
lugar, Lázaro, que não é o personagem principal, mas secundário da parábola,
aparece somente sofrendo ou suportando. Chama atenção que não se menciona o
nome do rico, enquanto o do pobre é citado. Trata-se da única vez em que um
nome é citado em todas as parábolas de Jesus (seria para mostrar que o Senhor
conhece e chama pelo nome aqueles que lhe pertencem?). A situação de Lázaro era
extrema ao do rico. De alguma forma ele buscava ser visto e ajudado pelo homem
rico, já que permanecia jogado a sua porta, e, alimentava-se apenas de migalhas
que caia da sua mesa. Quantos estão à nossa porta esperando que compartilhemos
um pouco de tantas riquezas que temos recebido do Senhor?
Lázaro estava
“jogado” no acesso ao portão do rico. A forma “jogado” expressa melhor a
construção da forma passiva do texto original. No entanto, é possível que
estivesse prostrado por uma enfermidade (cf. Mt 8.6,16; Mc 7.30). Aqui o termo
significa que o pobre nem mesmo era capaz de movimentar-se livremente e, além
disso, que as pessoas que o traziam à frente da porta do rico livravam-se dele
como de um fardo pesado que se lance por terra.
Lázaro
estava jogado diante do portão coberto de chagas. Uma enfermidade maligna,
claramente visível, demandava urgentemente um cuidado misericordioso. Ao lado
da necessidade de cuidado sua fome não saciada deveria ter causado a compaixão
do rico. Contudo na casa do rico não havia disposição para ajudar. De forma
análoga a uma das parábolas anteriores, ninguém se compadeceu dele (Lc 15.16).
De
maneira drasticamente intensificada o relato prossegue, dizendo: “Até os cães
vinham lamber suas feridas”. Ao pobre não eram propiciados nem cuidados nem
atendimento. Recebia tão pouca atenção que somente os cães cuidavam dele,
lambendo com compaixão canina suas feridas. Não há consenso entre os comentaristas
se o lamber dos cães aliviava ou aumentava as dores.
Lázaro
não tinha nenhuma perspectiva nesta vida terrena. Suas mazelas levavam-o ao
anseio de outra vida que acabasse de vez com suas duras lutas. Leva-o a busca
de Deus para preencher o vazio que a sua vida terrena trazia, o fez optar pelas
coisas celestiais, e teve sua recompensa.
Porém
seria complicado que Jesus declarasse que anjos o carregaram para junto de
Abraão se não tivesse outra carta de recomendação a apresentar a seu ancestral
Abraão do que meramente sua pobreza no passado.
A
primeira parte, mais curta, da parábola, que abrange o episódio terreno, mostra
um homem rico em seus afazeres terrenos e a forma como aproveitava a vida, como
um administrador infiel em relação ao que demandavam “a lei e os profetas”, que
o rico conhecia. A devoção do pobre e a impiedade do rico são apenas aludidas.
As
palavras “Havia um homem rico” introduzem o personagem principal da narrativa.
Na segunda frase é descrita a esplêndida vida de opulência desse homem rico. É
uma pintura de traços vigorosos e características de fácil compreensão. A
púrpura era a cor vermelho-escura de um tecido de lã, vendido por preço
extremamente caro. O linho não menos precioso, que igualmente custava muito
caro por causa de sua cor branca radiante. Ambos os tipos de tecido eram tão
luxuosos que somente reis e sacerdotes tinham condições de usar tais
vestimentas. Banquetes festivos aconteciam não uma vez ou outra, mas
diariamente em sua casa. Em todos os divertimentos ele ostentava o esplendor
pomposo de suas magníficas vestes.
As
riquezas não são ruins, e muito menos Jesus falou que ser rico é pecado. As
riquezas se tornam dádivas de Deus quando a usamos para amenizar a pobreza dos
outros. O grande problema é quando nossa confiança e prazer se coloca nela, e
ela se torna suficiente ao ponto de não mais se confiar em Deus.
A
sequencia da narrativa fala do estado bem-aventurado ao qual Lázaro foi
transferido por intermédio da morte. Nada é dito acerca de um sepultamento do
pobre, de quem ninguém sentiu falta. Jesus permite entrever que a morte
representou o fim do sofrimento e a entrada na beatitude para o pobre. Da
terra, palco de seu sofrimento, os anjos o carregaram para junto de Abraão.
As
informações dadas acerca do pobre conduzem à história do rico. Relata-se que
ele também morreu. Antes, porém, de se mencionar a situação em que ele se
encontrava, é acrescentado: “E foi sepultado”. Da mesma forma como não se sente
falta da observação de que o pobre não foi sepultado, tão impactante aparece,
no entanto, esse adendo acerca do rico. De todos os bens deste mundo restou-lhe
somente a sepultura, à qual o corpo foi entregue para apodrecer. Nessas
palavras está uma alusão ao contraste referente ao fato de que o pobre foi
carregado para o colo de Abraão. Para Lázaro a morte trouxe o fim de seu
sofrimento terreno, para o rico o fim de sua felicidade na terra.
O rico
estava no lugar dos suplícios. O gesto de levantar os olhos deve ser imaginado
como um anseio e uma busca do atormentado por socorro. Fala-se de erguer o
olhar, da língua do rico, do dedo de Lázaro, do sofrimento nas chamas e de ser
refrigerado por meio da água.
O
pecado do rico era que podia olhar o sofrimento e a necessidade do mundo, sem
sentir que a espada da dor e a compaixão atravessava seu coração; via outro
homem, faminto e dolorido, e não fazia nada por ele. Seu castigo foi o de
alguém que nunca se deu conta de nada.
Parece-nos
muito duro que seu pedido de que se advertisse a seus irmãos fosse negado. Mas
a simples realidade é que se os homens possuírem a verdade da Palavra de Deus,
e sim, a qualquer lugar que olhem, há tristeza que precisa ser consolada,
necessidade que suprir, dor que remediar, e isso não os move à compaixão e a
ação, nada os mudará.
É uma terrível
advertência o recordar que o pecado do rico foi não que fizesse coisas más, mas
sim não ter feito nada.
Mas a
parábola também nos remete a outros ensinamentos:
1) É aqui na terra
que decidimos a eternidade no céu. Para isso Deus deu os meios necessários: as
Escrituras e os Profetas.
2) Cada individuo
receberá sua sentença ao deixar este mundo logo após a morte, e que cada um é
responsável por si, no que diz respeito à sua decisão.
3) Mostra que só é
possível passar uma vez nesta terra, depois disso é juízo combatendo a
reencarnação, não sendo possível aos espíritos comunicar-se com os vivos.