sexta-feira, 26 de julho de 2013

MARTA E MARIA: DUALISMO OU COMPLEMENTO?

(TEXTO: Lc 10,38-42)
Somente três personagens aparecem neste curto texto de Lc 10,38-42: Jesus, Marta e Maria. Jesus visita as duas irmãs, escuta, questiona Marta, acolhe a postura de Maria. Marta é a anfitriã, a dona de casa, preocupada em oferecer um delicioso almoço a Jesus. Com esta preocupação, ela recebe Jesus e vai continuar seu trabalho, sem curtir a visita amiga. Maria não fica preocupada com a casa. Não é solidária com a irmã no serviço. Quer somente estar com Jesus. Sentada aos seus pés, escuta-o atentamente. Ela escolhe algo inédito para as mulheres de sua época. Com qual desses três personagens nos identificamos mais?
SITUANDO
Esta narrativa sobre a visita de Jesus à Marta e Maria é própria de Lucas. O evangelista situa este texto em seguida à parábola do samaritano (Lc 10,29-37). Lucas deve ter um bom motivo para isso. Um dos motivos de ligação entre esta narrativa e a parábola do samaritano é que Jesus se faz próximo. Entra na casa de Marta, conversa, come junto com as duas Irmãs. Ele se aproxima de duas mulheres, que, como as outras judias da sua época, eram consideradas impuras. Mas, também podemos supor que Lucas tenha feito outra relação entre a parábola do samaritano e a narrativa de Marta e Maria. O texto informa que "Jesus entrou num povoado e certa mulher, chamada Marta o recebeu em sua casa" (10,38). Diante das críticas e da crescente oposição a Jesus, narrada no capítulo seguinte (11,14-54), a acolhida prestativa de Marta e a escuta amorosa de Maria podem ser também uma resposta bem concreta à pergunta do legista: "Mestre, que farei para herdar a vida eterna?" (10,25).
A Boa Nova deste texto é que Jesus entra na casa de Marta e Maria e come com elas. Elas eram judias, mas eram consideradas impuras por serem mulheres. Transparece no texto muita amizade e confiança entre eles, pois Marta chega a fazer reclamações triviais em relação à falta de solidariedade de sua irmã Maria (10,40).
COMENTANDO
1 - O que é mais importante: a oração ou a missão?
A tradição cristã encontrou neste texto uma amostra de dois modelos de seguimento de Jesus, considerando um superior ao outro por causa da palavra de Jesus: "Maria escolheu a melhor parte" (10,42b).  Assim, acham que Marta representa um seguimento de Jesus focado no trabalho, na intensa atividade missionária ou apostólica. Maria representa um seguimento focado na escuta, na oração, na contemplação. Mas, este dualismo é falso. Ninguém pode ser somente missionário, nem somente contemplativo. Cada pessoa que deseja seguir Jesus precisa ser ao mesmo tempo missionária contemplativa, ou contemplativa missionária. Por isso, volto ao texto, para comentá-lo:
Será difícil achar uma descrição mais vívida de caracteres feita em tão poucas palavras como a que encontramos nestes versículos.
(1) Mostram-nos o choque de temperamentos. Nunca deixamos muito lugar para o temperamento na religião.
Algumas pessoas são por natureza muito dinâmicas e ativas; outras são naturalmente caladas. A pessoa ativa tem dificuldade para compreender a outra que se senta, pensa e contempla. E a pessoa devota dos momentos de silêncio e meditação muitas vezes despreza a que só se entrega à atividade. Não há nada mau em nenhuma das duas atitudes. Deus não fez todos iguais. Ele necessita suas Marias e também suas Martas.
(2) Mas estes versículos nos mostram algo mais – o tipo equivocado de amabilidade. Pensemos para onde ia Jesus quando isto aconteceu. Ia a caminho de Jerusalém, para morrer. Todo seu ser estava envolto em uma batalha intensa por fazer com que sua vontade fosse à vontade de Deus. Quando Jesus chegou ao lar de Betânia era um grande dia, e Maria se dispôs a celebrá-lo, como diz o refrão: “deixando a casa de pernas pro ar”. Mas Marta apurava-se, fazia coisas e cozinhava; e isso era precisamente o que Jesus não queria. Desejava silêncio. Com a cruz pela frente, e com sua tensão interior, tinha ido a Betânia em busca de um oásis de tranquilidade longe das multidões insistentes, a menos de uma hora ou duas; e isso foi o que Maria lhe deu, e isso é o que Marta, com sua amabilidade, fez o melhor para destruir. "Só uma coisa é necessária" – possivelmente isto signifique: "Não quero um banquete, tudo o que quero é um prato, a comida mais simples." Em resumo, Maria o compreendeu e Marta não.
Esta é uma das grandes dificuldades da vida. Muitas vezes queremos ser amáveis com as pessoas – mas à nossa maneira; e se ela não é a adequada, ofendemo-nos e pensamos que não nos aprecia. Se quisermos ser amáveis a primeira coisa é tentar ver no coração da pessoa a quem desejamos ajudar – e nos esquecer de todos os nossos planos e pensar só no que ela necessita. Jesus amava a Marta, e ela também o amava. Mas quando ela quis mostrar sua amabilidade, do seu jeito, em realidade não foi de ajuda porque o coração de Jesus clamava por silêncio. Jesus amava a Maria, e ela a ele, e ela compreendeu.

O jeito especial de Jesus olhar para todas as mulheres, a partir da sua intimidade com seu Abba e da sua visão do Reino de Deus, lhe dá criatividade e autoridade para mudar as situações de opressão e dominação aparentemente sem saídas. E Jesus o faz de maneira nova, diferente, inesperada. O texto de Marta e Maria desperta a memória da tradição de Jesus. Ao escrever este texto, Lucas está apontando para esta Boa Nova que já estava sendo um pouco esquecida no tempo em que ele escreveu seu evangelho.