segunda-feira, 26 de julho de 2010

MEDITAÇÃO SOBRE 1Co 12: 7-11.

A primeira carta de Paulo aos coríntios provavelmente é um dos textos mais chocantes do Novo Testamento para os cristãos. Sua realidade – uma igreja briguenta e, ao mesmo tempo, cheia de carismas – confunde e espanta os leitores, especialmente por mostrar questões que até hoje se apresentam quase da mesma forma nas comunidades.

O presente estudo pergunta pelo sentido dos carismas. Ao examinar o texto, será possível perceber de que forma Paulo encara as manifestações do Espírito e que critérios há para nortear seu uso na comunidade de Corinto, com o fim de extrair lições para hoje.

Os carismas relacionados no catálogo dos versos 8-10 aparecem separadamente em diversos textos, mas não sendo interessante analisá-los em separado. Não há textos paralelos em que esta lista aparece de forma completa como aqui. Mas o fato de haver uma lista pressupõe sua livre utilização entre a igreja. Paulo parece usar uma lista que circula na igreja dos coríntios.

Paulo também apela para a questão da utilidade dos carismas na comunidade (v.7,11). Tudo deve ter um fim proveitoso, senão está fora dos critérios do Espírito. Para Paulo, as questões são generalizadas, totalizadas e universalizadas na argumentação.

A argumentação paulina faz vistas ao ensino. Para tanto, utiliza-se do gênero parênese (exortação, discurso moral) comunitária. São textos caracterizados por expressões como “cada um”, “o outro”, “todos”. Neste período em Corinto parece ainda não haver uma hierarquia estabelecida na comunidade, portanto “cada um” deve contribuir pessoalmente para o “fim proveitoso de todos”. O problema da coexistência dos dons teve de ser elaborada para apresentar a vida em unidade como uma expressão de nova justiça.

Esta lista de carismas demonstra a multiplicidade, cuja unidade aparece explicitamente apenas no cabeçalho. Ela não constitui, como outras, virtudes a serem seguidas, ou buscadas pelos cristãos, antes, parecem ser um material próprio de Corinto, que Paulo se utiliza para mostrar que carismas diferenciados provem de uma única fonte e convergem para um único fim, o proveito. Sendo decisão do Espírito a concessão dos mesmos como lhe apraz. Isso é relevante por demonstrar o aspecto peculiar dos carismas, isto é, Paulo não parte de uma regra geral, mas de uma situação peculiar existente em Corinto, já que essa é uma lista única, diferente da que aparece em romanos 12.

A apresentação desta lista de carismas dentro do esquema “cada um” e “segundo o mesmo Espírito” é um reforçador de sua idéia de unidade/ multiplicidade. Apresenta os carismas em uma perspectiva horizontal, em que todos têm o mesmo peso e a mesma finalidade, não permitindo sobreposição de pessoas.

Destaca-se ainda que Paulo termine a sua lista apresentando carismas que tratará mais especificamente no capitulo 14, o que indica que pode estar aí o cerne na discussão. Da mesma forma ocorre no primeiro carisma apresentado, “a palavra de sabedoria”, pois diversas vezes na carta ele fala a respeito de sabedoria (1: 19-31; 2: 1, 4, 6-7) geralmente de forma negativa. Isso pode indicar que houvesse ali pessoas tidas como superiores em sabedoria, ou que algum tipo de pregação gnóstica florescia no ceio da comunidade, desviando-a do evangelho pregado por Paulo.

APLICAÇÃO:

Os carismas, depois de muito tempo esquecidos na prática da igreja, ressurgem com força total, especialmente com os pentecostais, com sua ênfase no Espírito.

Contudo o entendimento dos carismas provoca polêmica desde os tempos Bíblicos, especialmente na comunidade dos coríntios, que dava grande ênfase aos aspectos místicos da fé. O apóstolo Paulo parece conciliar e condescender com tais práticas, mas procurava estabelecer critérios que regulamentam os dons na vida da igreja. Seu propósito máximo é a unidade. Se isso não ocorre, o carisma perde o seu sentido e, portanto, não pode ser do Espírito, que não contraria a si mesmo. O critério da unidade era o ponto convergente numa estrutura em que a hierarquia era apenas nascente.

Este texto tem sido usado indistintamente para justificar determinadas manifestações do Espírito nas comunidades. Ao invés de promover unidade, os argumentos de Paulo se tornaram dogmas determinantes para saber se alguém tem ou não o Espírito. Com isso, perde-se a grandeza de um argumento que parte da realidade de um grupo de cristãos, absolutizando o que possui maior riqueza exatamente na relatividade.

A igreja dos coríntios ensina os riscos da apropriação indevida dos carismas: dissensões, divisões, choques de liderança, desvios da centralidade do evangelho, que é a justiça e a paz em Cristo Jesus. Não se sabe como a comunidade de Corinto recebeu o ensino de Paulo, que condutas mudaram ou não. Mas os conselhos do apóstolo permanecem, para nortear a prática da igreja, não como dogma, mas como alerta, pois Paulo, ao afirmar que o “Espírito faz como lhe apraz”, parece ecoar a fala de Jesus, de que o “Espírito sopra onde quer”. A liberdade, a multiplicidade e a unidade não são valores excludentes para o Espírito, bem ao contrário. Quem quiser afirmar que tem o Espírito, precisa conciliar em suas práticas estes valores, sem escapatória.

OREMOS